Paulo Caculo
O Ministério Público na relação com os órgãos da Polícia de Investigação Criminal é o proprietário das competências de instauração do processo penal, afirmou, quarta-feira, o magistrado Napoleão Monteiro, com o propósito de demarcar os campos de actuação dos dois organismos à luz do Código Penal.

Participantes foram esclarecidos sobre os processos administrativos e como se transformam em processos criminais, por crimes de infracção tributária © Fotografia por: Arsénio Bravo| Edições de Novembro
O magistrado procedeu à apreciação da natureza dos respectivos órgãos, tendo em conta as competências de instrução da fase preparatória dos processos penais, esclarecendo o papel principal que deve ser atribuído, por lei, ao Ministério Público, enquanto organismo responsável por executar, dirigir e assumir as “rédeas do jogo”, na instrução do processo-crime, desde a sua abertura.
Napoleão Monteiro abordou o assunto, acompanhado com grande interesse, no workshop alargado sobre a actualização de conhecimentos dos órgãos de Polícia Criminal, magistrados do Ministério Público e Administração Geral Tributária (AGT), à luz do novo Código do Processo Penal, que dominou, ontem, em Luanda, o acto de encerramento da reunião anual de balanço da Região Judiciária de Cabinda, Bengo e Luanda, realizado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no Auditório da Academia BAI.
Em relação à questão, referiu que, embora na relação com o Juiz das Garantias, se deixe transparecer a ideia de que o Ministério Público se vê esvaziado de poderes, em virtude de no acto da instrução preparatória o juiz impor que seja salvaguardado os direitos e garantias fundamentais do cidadão, esclareceu, a presença desta figura “acaba por ser residual”, na medida em que pode haver processos sem necessidade de intervenção do Juiz de Garantias.
“Só naqueles casos em que não existe o risco de se ferir os direitos fundamentais. Os órgãos da Polícia Criminal subordinam-se ao Ministério Público, mas esta subordinação é apenas funcional”, esclareceu Napoleão Monteiro. “Estaremos em presença de processo-crime, quando a entidade competente ordena a abertura do processo”, sustentou.
Estatística criminal
Na ocasião, os participantes tomaram contacto com um projecto de Sistema Geral de Número Único do Processo (SIGNUP), sugerido pela PGR, com objectivo de despertar os magistrados sobre a necessidade imperiosa da actualização tecnológica dos dados ao sistema integrado de geração de número único de processo e as vantagens da adopção deste sistema.
“É um investimento que a PGR fez, para darmos um passo ao controlo tecnológico e mais assertivo dos processos que correm a sua tramitação”, justificou Ricardo Fernandes, procurador da República junto do SIC-Luanda.
A importância da estatística, de acordo com Hilário Benjamim, prelector convidado a dissertar sobre “a importância da atribuição do número único do processo da uniformização da estatística criminal”, prende-se em permitir a recolha rápida, assertiva e eficiente de dados.
“Com a padronização do sistema de dados aumenta a segurança e sempre que se for buscar um processo num determinado departamento, a resposta é fácil e rápida, porque não teremos vários números associados ao processo aberto numa determinada região”, disse, para em seguida assegurar que a informatização de dados vai evitar as dificuldades no controlo dos arguidos, em prisão preventiva ou em excesso de prisão preventiva.
A abordagem em relação à actuação da Administração Geral Tributária (AGT) e da Polícia Fiscal na instrução preparatória mereceu, igualmente, discussão calorosa, tendo o assunto exigido da técnica tributária Noemia Silvia e do director para os Serviços Anti-fraude Braúlio Fernandes esclarecimentos exaustivos.
A questão dos crimes fiscais ou fuga fiscal e o modelo de investigação usado pela instituição do Ministério das Finanças, durante a actuação dos infractores, não deve ser entendida como uma instrução preparatória de processo-crime.
“Os desafios da AGT prendem-se em criar uma aproximação com os órgãos judiciais, para permitir que haja uma melhor actuação”, sublinhou Braúlio Fernandes.
A palestra com a AGT permitiu, ainda, os participantes serem esclarecidos sobre os processos administrativos e como se transformam em processos criminais, por crimes de infracção tributária.
Áreas de competência
Com a realização do workshop, a PGR, de acordo com Ricardo Fernandes, procurou dissipar dúvidas em relação às áreas de actuação dos magistrados do Ministério Público e os órgãos da Polícia Criminal e da AGT. Admitiu haver necessidade de se fazer estes encontros de actualização e refrescamento de conhecimento, “para ficar claro, nos termos da lei, qual é o papel que cada organismo tem na administração da justiça”.
O procurador da República junto do SIC-Luanda faz um balanço positivo das actividades realizadas durante o exercício 2020/2022, tendo realçado o facto de ter sido possível tomar contacto com os relatórios, da área judiciária de Cabinda, dos serviços prestados pela PGR, no Bengo e, em Luanda, que compreende as três províncias da Região.
“Tivemos vários prelectores que, de alguma forma, cada um com o tema que lhe foi incumbido, deram o seu melhor. Discutimos a relação entre o Ministério Público, Investigação Criminal e Juiz das Garantias, actualização tecnológica da PGR relativo ao sistema integrado de geração de número único de processo e as vantagens da adoção deste sistema e um painel com a AGT, onde nos foi esclarecido os processos administrativos e como se transforma em processos criminais, por crimes de infracção tributária”, disse.
O evento promovido pela PGR, recorde-se, durou dois dias, tendo a sessão de abertura sido prestigiada pelo procurador-geral da República, Hélder Pitra Gróz, e pelo governador de Luanda, Manuel Homem. A reunião contou com a presença do vice-procurador-geral da República para a Esfera Militar, general Filomeno Octávio da Conceição Benedito, procuradores-gerais adjuntos, militar e civil, procuradores e magistrados do Ministério Público e da Magistratura Judicial a nível nacional, da relação, regional e das comarcas.
IGAE recebe 200 denúncias por dia
A Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE) recebe, diariamente, através do terminal 119 do Call Center, 100 a 200 chamadas sobre denúncias, soube-se de Paulo Dias, director do Gabinete Jurídico e de Intercâmbio do Órgão de Controlo Interno da Administração Pública.
O responsável, que falava recentemente, no âmbito de uma avaliação ao contributo da IGAE no processo de combate ao crime, sublinhou que nem todas as denúncias que chegam ao conhecimento do organismo são sobre actos de corrupção.”Existem, também, outras sobre extorsão, abuso de poder e tráfico de influências. Há um leque de crimes praticados pelos agentes públicos, que têm sido também a nossa batalha na mentalização e moralização do funcionário público, para o bem servir”, esclareceu, para em seguida admitir haver, ainda, um árduo trabalho pela frente, para que se elimine a corrupção do nosso seio.
“Nunca vamos acabar com a corrupção. Podemos mitigar os níveis, porque estamos a tratar de seres humanos e não acordam todos os dias do mes-mo jeito”, disse.
Paulo Dias congratulou-se, por outro lado, com o facto de cada vez mais cidadãos cultivarem a prática da denúncia. Admitiu haver mais pessoas com maior à vontade para denunciar as más práticas dos funcionários públicos.
“Acreditamos que todos os funcionários públicos quando fazem o termo de juramento de posse, prometem cumprir a Constituição e a Lei. Todos têm a consciência de que devem cumprir com rigor e servir bem o funcionalismo público”, referiu.
A finalizar, o director do Gabinete Jurídico e de Intercâmbio da IGAE confessou que a corrupção tem sido o grande empecilho para o desenvolvimento e que a instituição tem procurado cumprir com todo o rigor.