
Montevidéu (Prensa Latina) Brancos são negros claros, diz o músico e percussionista Álvaro Salas Gularte, referência da cultura afro no Uruguai, e com essa frase explica a mistura de sua nação e também de outras da América Latina e Caribe.
Por: Latin Press
Orlando Oramas Leon
A Prensa Latina conversou com ele em entrevista exclusiva, quando em Montevidéu e outras cidades do país os tambores de candombe tocam e marcam os tempos e ritmos do carnaval.
São tempos em que a pegada africana é mais visível por aqui, que começou naquela época em que os portos de Havana e Montevidéu eram importantes receptores de embarques de escravos africanos, como acontecia também do lado brasileiro.
A contribuição afro tem várias arestas, explica, primeiro no aspecto rítmico que remete ao candombe e que associo ao tambor, originário de Montevidéu. Foi aí que nossos toques se originaram.
“Mas não esqueçamos que quando começou a colonização na América Latina havia índios e aqui estavam os charrúas, guaranies, guenoas, entre outros povos, então entrou a fusão do tambor com a parte indígena.”
As Salas Gularte entendem que cada comunidade tem a sua identidade e é daí que vem a mistura e a “boa música que hoje se faz”, embora, nota, “não nos esqueçamos dos toques madres”.
O mesmo acontece com a música cubana, son e outros ritmos, aponta este exímio percussionista, que se orgulha de ter partilhado vários palcos com músicos da ilha caribenha.
“Tive a honra de tocar aqui em Montevidéu com a orquestra Los Van Van em sua primeira viagem ao Uruguai. Lá conheci Juan Formell e toda a sua trupe”.
O CANDOMBE
Você pode definir o Candombe por muitas coisas, tocamos quatro tambores e são três: chico (gama grave), repique (tenor) e piano (gama alta); cada um tem um papel que juntos formam um filme rítmico, aponta.

Cada um tem uma função específica, são como linguagens e quando a linguagem do menino entra na linguagem do toque, forma-se uma sessão e assim sucessivamente para construir o candombe ao som dos tambores e suas linhas sonoras.
Baterista famoso, ele reconhece diferenças “físicas” entre o tambor e outros instrumentos de percussão como a tumbadora e o bongô, que são tocados em Cuba.
“Mas para cada músico que entende o som do tambor, tem a sabedoria espiritual desse som, torna-se prático para nós. O importante é o respeito e a perspectiva global de estarmos unidos na hora de divulgar nossa música.
“Por isso toco bateria, candombe, bakoko, tumbadora, porque afinal há semelhanças entre son, bolero e outros gêneros musicais com o candombe.”
A PEGADA RELIGIOSA
Para o músico uruguaio, a herança africana também está presente na marca religiosa, que une cultos com música e cantos.
Tive a sorte de me formar no Brasil. Cultivei todos os ramos de culto da América do Sul, Batuque, Umbanda e Kimbanda, diz e reconhece grau de babalorixá.
Refere que através de um médico naturopata cubano, Carlos Vidal, sulcou a religião afro-cubana, “mas não pude ser coroado porque já fui coroado pelo lado brasileiro”.
“Mas sou palero riscado em Cuba”, comenta, referindo-se a uma prática religiosa cubana de matriz cultural e linguística predominantemente bantu.
Sou filho de Changó, coroado com Ochún, realça e mostra atributos em seus bonecos.
MUNDO AFRO
É uma organização não governamental que luta contra a discriminação e o racismo na América do Sul. Está prestes a completar 35 anos e é o mais antigo do gênero e finalidade na região.
O Mundo Afro faz parte do movimento uruguaio de solidariedade a Cuba e nele meu entrevistado atua como diretor cultural, principalmente da Escola de Candombe, que “existe 27 anos e é reconhecida internacionalmente”.
Como divulgador da cultura afro-uruguaia, ministra oficinas em centros públicos e privados, e também em presídios e centros de estudos para crianças.
“Não esqueçamos o que nossos ancestrais sofreram, inclusive a proibição de praticar seus ritmos e cultos. A Mundo Afro procura fazer com que não haja esquecimento e que as tradições e contribuições culturais e nacionais sejam reconhecidas”, enfatiza.
Nestes dias de carnaval, também é lembrado o legado de Martha Gularte, mãe de Álvaro, um dos bailarinos mais famosos do carnaval de Montevidéu.
EU QUERO IR PARA CUBA
Ele repetiu mais de uma vez durante a entrevista e explica: “Quando a gente tá com o tambor na pele, a gente se junta porque viemos todos do mesmo ramo. A conga, a rumba, a clave, o guaguancó, a goma, o bakoko… Ave Maria, que delícia”.
«Tem cubanos aqui interessados em brincar de candombe com o “tumbao” de lá. E quando isso soa, a cápsula explode. Afinal, quando se trata de sonhar e dançar todo mundo é Aché, somam-se pretos e brancos, que são pretos claros”, concluiu.
*Correspondente principal no Uruguai