O presidente eleito do Brasil e John Bolton, principal assessor de segurança nacional de Donald Trump, se reúnem em 29 de novembro para discutir o destino de Cuba e da Venezuela, governos que Washington considera um desafio à sua hegemonia imperial. Bolton aguarda a ajuda de Bolsonaro para se livrar deles.
O poder da retórica ultra-conservadora de Bolton é um fato conhecido da diplomacia mundial, mesmo por sua capacidade de superar as palavras com ações. Em 2002, envolvido na invasão do Iraque, foi um dos principais responsáveis pela divulgação da tese – nunca demonstrada – de que Saddam Hussein produziu “armas de destruição em massa”, usadas para justificar um conflito que produziu mais de meio milhão morto, deixou um custo estimado de 7 trilhões de dólares e abriu um dos abismos em que a economia mundial é hoje.
Se a agenda da próxima semana é relativamente bem conhecida, o mesmo pode ser dito da coreografia. Os diálogos nesse nível podem variar – às vezes – mas a dança dos presidentes brasileiros antes dos EUA, exceto nos governos do PT, sempre foi a mesma.
No artigo publicado no volume III do livro “Pensamento Diplomático Brasileiro”, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães revela que, em março de 1961, o recém-eleito Jânio Quadros recebeu uma oferta surpreendente. Falando em nome de John Kennedy e também exibindo a autoridade de quem liderou o golpe para derrubar Getúlio Vargas em 1945, o embaixador Adolfo Berle Jr convidou Jânio a participar de três intervenções na América Central.
O primeiro contra o governo do Haiti; a segunda para invadir a República Dominicana e, finalmente, como prato principal, derrubar o recém-instalado governo de Fidel Castro, em Cuba. “Jânio rejeitou firmemente esses convites”, escreve Samuel Pinheiro Guimarães, acadêmico acadêmico da diplomacia do período. A história não terminou assim, obviamente.
Um mês depois da audiência com Jânio, a CIA reforçou a acusação contra Fidel e organizou a invasão da Baía dos Porcos (Playa Giron), com o apoio de um grupo de mercenários anti-Castro. Falha total Cada vez mais associada a Washington, a máfia que governou o Haiti ficou em paz por vários anos.
A República Dominicana tinha outro destino, no entanto. Se o país já mostrou uma instabilidade preocupante, desde a eleição de Juan Bosch, presidente de idéias progressistas, Washington avaliou o risco de viver com uma segunda Cuba era muito grande e decidiu fazer uma decisão imediata. Desta vez, com ajuda brasileira.
Depois de ajudar a conspiração militar liderada por Castelo Branco a derrubar o governo constitucional de João Goulart, Washington recebeu uma retribuição. Castello organizou uma tropa de 4.000 homens enviados para a América Central para fortalecer uma junta militar enfrentou uma forte resistência popular depois de derrubar o governo de Bosch. Ao lado de soldados de outros clientes conhecidos da Casa Branca – Paraguai, Costa Rica, Honduras, Nicarágua, El Salvador – brasileiros retornados em 1966, o fim de uma missão regular, avaliada como ruim.
Aqueles embalados pela propaganda do governo Castello Branco imaginou que eles iriam participar de uma guerra de alguma forma comparável à luta contra o nazi-fascismo na Europa, eles tiveram uma decepção em troca. Enquanto isso, duas décadas antes, os soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) retornaram como heróis e ainda hoje são festejados pelo povo, mas os membros da FAIBRÁS (Brazilian Forças Armadas Intervenção) nunca teve reconhecimento.
“Em vez de preservar a paz, teve que lutar contra os rebeldes, expondo nossas próprias vidas, em um ambiente extremamente hostil”, lembrou José Carlos Teixeira, um dos membros da FAIBRÁS, em uma entrevista com o portal BBC Brasil (25 / 5/2015). A natureza questionável da missão foi traduzida em aspectos rituais e financeiros. Os veteranos de Santo Domingo nunca foram incorporados às fileiras das Forças Armadas, como seria natural, nem dispensados ao retornar ao país. Até hoje eles não recebem um convite para marchar em datas cívicas. Tampouco tinham direito a aposentadoria, como é o caso da FEB.
A guerra no Iraque poderia ser evitada
Nos meses dramáticos anteriores à guerra no Iraque, John Bolton teve um conflito de vida ou morte com o embaixador brasileiro José Bustani, duas vezes eleito presidente da Organização para a Proibição de Armas Químicas.
Quando entrevistei Bustani em 2013, uma década após o evento, me disse que “a guerra do Iraque poderia ter sido evitada, porque fizemos uma inspeção naquele país. Nossos inspetores conheciam o Iraque e intervieram em missões anteriores. A maioria das armas químicas já havia sido destruída, as poucas amostras restantes – isto é, amostras – foram localizadas e removidas do país. Havia apenas alguns cientistas que tinham conhecimento, mas nenhum meio de construir armas “(Istoé, 13/11/2013).
Firme na defesa das conclusões da entidade que preside -cuestionadas com ênfase por John Bolton, diz Bustani percebeu que os relatórios técnicos tornou-se um obstáculo para outros interesses. “Ficou claro que, no caso específico do Iraque, nossos relatórios aparentemente obstruíram outro plano, o da invasão”, diz ele. Na entrevista, ele diz Intransigente Bolton “me deu 24 horas para deixar a organização (…) Ele disse que Washington exigiu minha partida e que ele queria fazê-lo de uma forma elegante.”
Bustani acabou se afastando da presidência em uma conferência na qual o mal-estar geral foi expresso em números. Houve 48 votos pela sua partida, 7 votos pela permanência e 43 abstenções. Países como a Rússia e a China votaram com Bustani, que também teve o voto da França e do México.
Duas décadas depois, os dados do problema são outros. A tese de que o governo iraquiano era uma ameaça porque tinha armas de destruição em massa é reconhecida como sempre foi: um pretexto para a guerra contra um inimigo do governo dos Estados Unidos. Por razões mais do que compreensíveis, o prestígio do corpo técnico da Organização para a Proibição de Armas Químicas cresceu.
Em 2013, a entidade recebeu o Prêmio Nobel em reconhecimento ao seu trabalho. Bustani recebeu numerosas demonstrações de solidariedade e apoio a seu comportamento em 2002.
Enquanto isso, John R. Bolton vem ao Brasil para conversar com Bolsonaro sobre Cuba e Venezuela. Alguma dúvida sobre o que vai acontecer aqui?
(Domínio Cuba-Thinking Americas)